quarta-feira, 2 de março de 2011

Um carnaval - parte 2


Estávamos na rodovia 365, perto de um posto policial na cidade de Patos de Minas, comemos, bebemos água e fumamos. Passou cerca de meia-hora e apareceu um generoso carona. Um senhor de minas, com calças e camisa surradas, aberta devido ao calor, tinha branca e e rósea pele marcando um homem que vive trabalhando nos sóis estradeiros.

O senhor nos deixou num trevo, perto de Três Marias, no meio do nada. Acontece quando pegamos carona, sempre temos aquela dúvida em pegar a primeira pessoa que aparece, mas que não nos deixará muito longe, ou esperamos por uma outra que nos deixará onde queremos, mas podemos esperar muito por esta última.

No meio do nada, em um trevo perdido no meio das Minas Gerais, colocamos nossos dedos à trabalhar, nossos rostos de estudantes "boa praça" a pedir carona àqueles que passavam. Eis que parou um homem num Honda Civic, preto. Corremos à ele e vimos um senhor de meia idade que nos convidou a entrar, estava indo à trabalho para Três Marias e lá nos deixaria, era grisalho e estava impecavelmente vestido para o trabalho. Fomos tranquilamente conversando, no ar condicionado do Honda Civic, eu na frente, Roberta atrás. O senhor nos contou de seu filho que estudava em Ouro Preto, das festas que seu flho fazia, das virtudes de sua prole. Disse que nunca havia dado carona, e que nunca pensou nisso, mas quando passou por nós, não resistiu. É uma máxima que percebi quando se pega carona, as pessoas não tem esse costume, as pessoas temem o desconhecido, mas sempre se arruma alguém que dê carona, que se solidariza por algum motivo com o outro ali parado com o dedo estendido.

Passamos por um cidade que não lembro o nome, lembro de ter visto uns lagos e de ser uma cidade muito bonita, estávamos a uns 40 km de Três Marias. Quase chegando nesse destino, encontramos na estrada, um menino, aos prantos, com os pés descalços, em seu desespero, não sabia se chorava, se andava ou acenava. Jamais esquecerei o semblante de desespero daquele garoto que deveria ter menos de 10 anos, passamos e o vimos, estarrecidos. O senhor resolveu parar, parou alguns metros de distancia, e repetia em voz alta para si mesmo:"Eu e meu coração, eu e meu coração!".

O menino entrou na porta de trás, e sentou-se ao lado de Roberta. Não conseguia falar, chorava e soluçava, lhe demos água e ele bebeu, sedento. Seguimos a viagem e aos poucos ele foi se recuperando. Disse que seu pai o levara até tal cidade (anterior a que acabaramos de passar) para que ele ficasse com a avó, mas lá avó não estava e o seu pai foi embora, e o menino, determinado e astuto, decidiu-se voltar para Três Marias para reecontrar o pai.

Eu observava sua narrativa e ainda estava petrificado, quando ouvi sua história olhei para o senhor e ele me exclamou:"Tá vendo, e nós reclamamos da vida!" Me fez um nó na garganta e me pesou o estômago, ver e pensar naquele menino, andando quase 40 km, descalço no asfalto, sem água ou comida, e ninguém parou pra ele, todos com medo, e imaginava eu o medo maior que sentia aquele menino em ficar só no mundo e é assim que ele parecia estar.

Enfim, chegamos em Três Marias, a empresa que o senhor trabalhava se localizava bem na entrada da cidade e percebemos que estávamos com um "figurão". Parou o carro na porta, levantamos, pegamos as malas, agradecemos e nos despedimos, e quando olhamos para o carro para despedir do menino ele já não estava mais lá, de certo sabia que o senhor chamaria a policia, sabia que não o deixariam ficar com o pai, e se foi, sem olhar para trás e sem ser visto, continuou sua caminhada rumo ao seu pai.

A estrada é assim, passamos pelas pessoas e cada um segue seu rumo e suas verdades. Seguimos nossa viagem. Fomos, mais uma vez, eu e Roberta para a beira da rodovia (040, essa era mais movimentada).

Roberta era uma moça bonita, com sorriso largo e olhos aconchegantes, de pele branca e provida de um corpão que deveria causar inveja a muitas, fazia direito e tinha a língua afiadissima. Eu estava muito bem acompanhado, com ela foi fácil pegar carona. Lógico que estava bem vestida, de calça jeans e camiseta irradiando simpatia e mocidade.

Parou um caminhoeiro, dessa vez mais novo, negro e magro, cerca de 30 anos, casado e religioso. Sentei ao seu lado e Roberta do lado da porta, o banco era largo e parecia uma cama, fiquei conversando com o gentil carona, Roberta já exausta aproveitou e deitou o corpo para descansar.

Eu e o carona conversamos pra diabo, de mulheres a musica, de politica a futebol, de caminhões e motos, ele disse que fumava maconha de vez em quando para viajar e aguentar o stress, que já tinha tomando "rebit" mas não gostava, contou-me das maratonas exaustivas pelo Brasil a fora, falou-me de sua cidade favorita onde um dia, disse, querer morar: Fortaleza.

O gentil e conversador carona não nos deixou em Diamantina, mas em uma outra cidade pequena, em um posto policial. Já era noite, perto das 8 horas. Roberta pulou meio trôpega do caminhão como se tivesse bebido, estava cansada e não iriamos pegar carona a noite, era hora de nos ajeitarmos. O posto não tinha hotel ou pousada, nós não tinhamos barraca e estava frio, bem frio. Sem maiores opções decidimos passar a noite ali, deitariamos num banco e eu vigiaria durante a noite.

Eu estava sentado num banco, também exausto, Roberta deitou-se com a cabeça em minhas pernas, encolhendo as dela, com frio, querendo tomar banho e comer. Tentava me manter firme e alerta, e tentava dizer a ela que ficaríamos bem, passariamos a noite e saíriamos bem cedo, nos perguntavamos por Breila e Aline.

Não há como se preparar para tudo na vida, aliás, dizem até que só podemos prevenir aquilo que sabemos, e quando viajamos de carona devemos esperar qualquer coisa, ter fé em nossas forças e perspcicácia para aproveitar tudo da melhor maneira.

Continuavamos vivendo aquela cena de filme de terror, no meio de um nada, num posto velho, em um banco conversando sobre o dia que passou quando chegaram até nós dois senhores, cerca de 60 anos ambos e puxaram papo.

Disse a eles q estavamos a caminho de Diamantina para o carnaval e que passariamos a noite ali, e de súbito o mais velho disse assustado: "Aqui é muito frio de noite, muito." Eles carregavam carvão e estavam indo rumo a Curvelo, disse que poderiam nos levar até lá, deixaria a gente numa pousada e de lá estariamos a 120km de Diamantina. Ficamos um pouco apreensivos, mas decidimos correr o risco e viajarmos mais alguns kms na noite de Minas Gerais na companhia daqueles dois simpáticos carvoeiros. O caminhão era pequeno e fomos nós quatro bem apertados, Roberta ficou na porta ao meu lado. O mais velho insistia em dizer que já dormira naquele posto velho e que foi a vez que mais passou frio em sua vida e que não ficaria sossegado se nos deixasse ali. Estavam, como a gente, sujos e cansados. Cumpriram com a palavra e nos deixaram num gostosa e barata pousada à beira da estrada de Curvelo para Diamantina. Eu e Roberta vibramos. Iriamos tomar banho, comer e dormir, quentes e aconchegados.
No dia seguinte, antes das nove da manhã de um sábado de carnaval, chegamos em Diamantia, cheios de energia e vida, prontos para um carnaval frenético e psicodélico.

Gabriel Oliveira
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Saudosa Roberta! Grande abraço!