quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Aminetu e a luta pelos direitos cívis

Por esses dias chuvosos em Uberlândia, e acho que em todo o sudeste brasileiro, li em sites de notícias e blogs sobre uma mulher.Uma mulher que comoveu o mundo inteiro e a mim também. Seu nome é Aminetu Haidar.

Aminetu é uma ativista que luta pelos direitos humanos e pelo reconhecimento do povo Saaráui. O Saara ocidental é dominado, hoje, pelo Marrocos, e desde 1976 um movimento em prol da autonomia deste povo criou a República Árabe Saaráui Democrática que é reconhecido por mais de 45 Estados Nacionais, entretanto, o governo de Marrocos não abre mão de seu território e influência.

Voltava para sua casa após uma viagem aos Estados Unidos, que a homenageou como defensora dos direitos humanos, quando, ao chegar no Saara Ocidental, forças marroquinas pegaram o seu passaporte e a enviaram para Lançarote, na Espanha.
Neste aeroporto Aminetu começou uma greve de fome no dia 15 de novembro como um meio de forçar autoridades marroquinas a devolverem seu passaporte, de maneira que ela pudesse voltar a sua casa: "Sim, como mãe, penso primeiramente em meus filhos, mas prefiro arriscar minha sáude do que viver sem dignidade, prefiro que meus filhos fiquem sem mãe do que vê-los viver sem dignidade" disse ela à um reporter espanhol.

Assim, como já disse, o mundo se comoveu com esta forte mulher. A espanha, país que colonizou a região do Saara Ocidental e do Marrocos, ofereceu nacionalidade à ela. Mas ela não podia aceitar, pois queria de volta o reconhecimento da sua nacionalidade saaráui e se aceitasse ser espanhola não mais voltaria a sua casa, de acordo com a mesma: "Eu seria uma estrangeira em meu próprio país, eu tenho nacionalidade, eu tenho minha casa".

O escritor José Saramago, que reside em Lançarote, colocou uma coluna em seu blog como medida de apoio. Cineastas (como Almodovar), atores (como a bela Penelope Cruz), políticos e milhares de outras pessoas assinaram e escreveram cartas a Obama, ao monarca espanhol ao governo marroquino, enfim, todos se sensibilizaram com a ativista deportada, mãe separada de seus filhos, uma mulher apaixonada não só pelos seus familiares como também pela sua integridade e pela dignidade de seu povo.

Depois de 32 dias de greve de fome, Aminetu Haidar pode retornar a sua casa e reecontrar-se com seus filhos: "Não sei se vou à casa ou ao cárcere, mas agradeço muito o apoio de todos".

Achei interessante como eu não ouvi falar do caso desta mulher nos telejornais brasileiros. Tudo bem, confesso que tenho assistido cada vez menos televisão. Mas, tenho acompanhado as notícias que saem na internet pelo"Yahoo" e pela "Uol", pricipalmente.
E mesmo na internet, muita coisa não achei nos sites de notícias brasileiros. Achei uma breve citação no site da "folha on line" e uma ausência gigantesca no site do "Estadão", que está tão preocupado com a censura que deveria olhar para outros abusos de poder no mundo.

O ativismo de Aminetu nos faz pensar sobre a resistência contra dominações anti-democráticas onde pessoas simples perecem e sofrem. Alguns falam que já não existe mais luta, outros que o mundo caiu em um individualismo crônico, há até aqueles que argumentam que acabaram-se as lutas de classes.
Aminetu Haidar nos mostra, como se precissase ser mostrado, que ainda há por quem lutar, pelo que lutar. Luta digo não no sentido da experiência socialista ou que devemos pegar em armas para combater as mazelas todas deste mundo. Não é isso. Eu acho que o que Aminatu nos ensina é que devemos combater àqueles que roubam a dignidade, autonomia e liberdade de um alter qualquer. Como a vida, os direitos humanos também devem ser respeitados.

Esta mulher a que estão chamando de Ghandi do Saara está demonstrando ao mundo que devemos encontrar meios de coexistirmos pacifícamente e respeitarmo-nos da mesma maneira. E além disso, que em nome da dignidade humana devemos levantar nossas bandeiras e lutar, mesmo sem armas, mesmos que ganhemos aos poucos, mas que o façamos.
Aminetu nos faz lembrar do pacifismo radical de Henry David Throreau e eu aqui convoco aqueles que nunca ouviram falar nem de Aminatu, nem de Ghandi ou Thoreau que se informem, olhem ao seu redor, reparem as discriminações, as viõlações dos direitos humanos, as usurpações, os abusos de poder e o sofrimento daqueles que estão perto de vocês.
Não lutemos para acabar com o governo, lutemos por um governo melhor. Não há como lutar para o fim da luta de classes, lutemos assim, pela erradicação da miséria. Tomemos partidos, içemos nossas bandeiras e não nos resignaremos.
Fraterno abraço, Gabriel Oliveira
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fonte da foto acima e de muitas outras informações aqui contidas sobre Aminatu haidar, no blog de José Saramago e da Fundação José Saramago: http://www.josesaramago.org/blog/blogpor.php

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Alpinista

O alpinista
Do alto, sobrevoando o monte da existência
o urubu observa
Cansado, porém esperançoso o ser escala
Um som ecoa nesse deserto infinito e vazio
diz uma palavra: "viva"
sem nexo, escolha ou força maior
ele vai de encontro ao pássaro
Mad Eros 12/11/02

Nostálgicos documentos


Tenho sido tomado por um ócio profundo para escrever. Vá lá saber o porquê. Até que estou lendo bastante, do jornal à literatura, mas não tenho me permitido escrever. Também não me cobro ou receio tal ócio, talvez, seja apenas um daqueles momentos em que, apesar de observar e criar opnião sobre o que vemos e sentimos, não nos urge uma vontade de expressão e achamos por bem nos calar e melhor pensar.

É realmente interessante pensar como o hábito nos toma conta. Passei alguns anos sem escrever algo que não fosse para a academia. O mês de dezembro de 2009 me foi prazeiroso, pois reecontrei essa vontade, vontade tamanha, que hoje sinto falta de por aqui não me expressar.

Por algum motivo eu acho que ainda não entrei em um ano novo, acho que dezembro anunciava algumas mudanças que ainda não ocorreram. Não que eu não tenha nada a dizer, ou que nada de bom ou pertinente de ser escrito tenha acontecido. Há sempre o quer ser escrito, só não tenho tido urgência em me expressar.

Fui colocar em ordem umas três toneladas de papéis que guardo em ármario cor de marfim(peçinha) em minha casa; textos, certificados, documentos, provas e produções. Nessa bagunça toda que me esforçei para arrumar eu reecontrei alguns poemas que na adolescencia escrevi.

Como lembrar das coisas, das pessoas e das situações, é também muito engraçado ler poemas da adolescência. Percebemos o quanto mudamos e envelheçemos, mas as mudanças não foram tão drásticas. Mesmo adolescentes, já tinhamos impressões de nós mesmos, com certeza.

Ao ler esses poemas tive uma vontade de compartilhar essa minha adolescência, já que não estou conseguindo compartilhar o presente. Engraçado que, nunca gostei de que outros tivessem acesso a esses poemas, mas também, nunca tive coragem de desfazê-los.




Alucinado escarCÉU


Na hora dele ir, a terra ferve
Deuses e deusas copulam
saudando o amor entre os dois astros
o divino orgasmo germina o fogo
que se alastra cancerinamente por todos os infinitos espaços
forçando nos insanos um carregado e desatinado suspiro
E os gatos brancos escurescem
o misticismo exalar no ar
As estrelas unem um mutante e psicodélico quebra-cabeças
Encanta e alucina a nossa menina, já um pouco machucada, é imprevisível como toda mulher
Seu brilho explode e contagia olhos e corações acordados
em sua maior intensidade torna possível avistar os imortais
livres em sua mais pura forma de vida

Em sua volta ele traz um silêncio confortante
Os amantes noturnos agora mansamente dormem
leves como se Deus tivesse os abraçados
e o mortal da matéria inícia seu fardo
21:00 31/5/04 Gabriel Oli

Sempre gostei de admirar o pôr ou nascer do sol. Morei por muito tempo em Igarapava onde tive sempre acima de mim um céu maravilhoso e propenso à contemplação. Do telhado de minha casa eu pudia assistir à toda a cidade, em alguns momentos acordava de madrugada para ver o sol nascer do telhado. Observava e admirava. Esse poema, lendo-o agora, me lembrou muito Led Zeppelin com suas músicas místicas, principalmente a música "the battle of evemore".

Na adolescência também vamos conhecendo o valor de algumas amizades, de algumas pessoas que amamos e que queremos bem. Esse poema escrevi quando sai de Igarapava:


Estrelas Terrestres em meu Porto de Canoas

Algumas pessoas temem o abandono. Eu também.
Por mais forte que sejam nossas raízes,
o vento sopra violentamente e, sempre, nos leva a ambientes diversos
O arrastar da vida deixa marcas

Neste porto ficam algumas estrelas terrestres
Será díficil sentir seu calor, força e vida à distância
porém são grande astros, quentes seres e belas almas
que não irei esquecer ou abandonar
Ao caminhar por essa cidade
não vejo apenas os carros, as contruções e os cachorros
É visto e sentido o primeiro beijo
o primeiro porre
o primeiro amor
São lembranças. Boas recordações.

Este buraco calorosamente me acolheu
Todo ser humano é um nômade
que se instala em vidas alheias para depois deixá-las. Nuas.
Também sou um nômade e esse buraco já não me sustenta.
Jã não me adapto aqui e tenho a necessidade de ir
Nem os pássaros tem a liberdade de voar para onde querem, por que eu teria?
Pelo menos, sou livre para amar este porto e as pessoas que aqui vivem
e intensamente usufruo esse direito
gostaria de deixar alguma coisa a mais que não fosse boas lembranças
então, deixo um apelo: Brilhem, minhas estrelas terrestres, brilhem!
Mad Eros 06/12/02

Devo dizer que que Mad Eros foi um pseudônimo, que hoje acho bem engraçado, mas não mais do que a maneira como eu escrevia, principalmente, sobre as experiências ( e desilusões) amorosas.
O Corte Final
A dor nada mais é do que o querer continuar
teu bisturi é grande
teu dragão forte
Nem mesmo o mais bravo, dos mais bravos deuses do Olimpo
conseguiria chegar onde eu cheguei,
porém, chegou um hora em que tua ajuda se fez necessária
e ao invés de curar, fez maior os ferimentos.
Doeu. Uma profunda e incessante dor

Mas, no Grand Finale desfez-se o sofrimento
a luta não foi vã.
Poemas escritos.
Medos quebrados.
Forças criadas.

Quero que vá para o inferno
junto às tuas contradições, negações e incertezas
Vá! Mas... não te esqueças o que eu te disse sobre os deuses
No corte final não há dor
Com teu bisturi já cheio de sangue
tens a gostosa ilusão de que me mataste

Não há mais a dor.
Não há morte.
Há... libertação.
Obrigado.
Mad Eros 03/11/02

Acho tão interessante ver como o adolescente sofre. Parece que o mundo vai desabar. Mad Eros foi muito importante na minha vida no sentido de que me ajudou a expressar toda a vastidão e complexidade de sentimentos, muitos dos quais eu não sabia lidar. E acredito que a concretização dessa expressão, os poemas, muito me ajudaram a formar (e reformular) pensamentos, repensar atitudes e relações. Como ainda hoje ajudam.
Obrigado novamente a quem teve a paciência de me ler. Um grande abraço e até uma próxima.

Saudações, Gabriel Oliveira

O dia em que Mabata-Bata explodiu



conto retirado do livro Vozes anoitecidas de Mia Couto*** site: http://www.livrosparatodos.net





O dia em que explodiu Mabata - bata





De repente, o boi explodiu. Rebentou sem um múúú. No capim em volta choveram pedaços e fatias, grão e folhas de boi. A carne eram já borboletas vermelhas. Os ossos eram moedas espalhadas. Os chifres ficaram num qualquer ramo, balouçando a imitar a vida, no invisível do vento.
O espanto não cabia em Azarias, o pequeno pastor. Ainda há um instante ele admirava o grande boi malhado, chamado de Mabata-bata. O bicho pastava mais vagaroso que a preguiça. Era o maior da manada, régulo da chifraria, e estava destinado como prenda de lobolo do tio Raul, dono da criação. Azarias trabalhava para ele desde que ficara órfão. Despegava antes da luz para que os bois comessem o cacimbo das primeiras horas.
Olhou a desgraça: o boi poeirado, eco de silêncio, sombra de nada.
“Deve ser foi um relâmpago”, pensou.
Mas relâmpago não podia. O céu estava liso, azul sem mancha. De onde saíra o raio? Ou foi a terra que relampejou?
Interrogou o horizonte, por cima das árvores. Talvez o ndlati, a ave do relâmpago, ainda rodasse os céus. Apontou os olhos na montanha em frente. A morada do ndlati era ali, onde se juntam os todos rios para nascerem da mesma vontade da água. O ndlati vive nas suas quatro cores escondidas e só se destapa quando as nuvens rugem na rouquidão do céu. É entao que o ndlati sobe aos céus, enlouquecido. Nas alturas se veste de chamas, e lança o seu voo incendiado sobre os seres da terra. Às vezes atira-se no chão, buracando-o. Fica na cova e a deita a sua urina.
Uma vez foi preciso chamar as ciências do velho feiticeiro para escavar aquele ninho e retirar os ácidos depósitos. Talvez o Mabata-bata pisara uma réstia maligna do ndlati. Mas quem podia acreditar? O tio, não. Havia de querer ver o boi falecido, ao menos ser apresentado uma prova do desastre. Já conhecia bois relampejados: ficavam corpos queimados, cinzas arrumadas a lembrar o corpo. O fogo mastiga, não engole de uma só vez, conforme sucedeu-se.
Reparou em volta: os outros bois, assustados, espalharam-se pelo mato. O medo escorregou dos olhos do pequeno pastor.
- Não apareças sem um boi, Azarias. Só digo: é melhor nem apareceres.
A ameaa do tio soprava-lhe os ouvidos. Aquela angústia comia-lhe o ar todo. Que podia fazer? Os pensamentos corriam-lhe como sombras mas não encontravam saída. Havia uma só solução: era fugir, tentar os caminhos onde não sabia mais nada. Fugir morrer de um lugar e ele, com os seus calções rotos, um saco velho a tiracolo, que saudade deixava? Maus tratos, atrás dos bois. Os filhos dos outros tinham direito da escola. Ele não, não era filho. O serviço arrancava-o cedo da cama e devolvia-o ao sono quando dentro dele já não havia resto de infância. Brincar era só com os animais: nadar o rio na boleia do rabo do Mabata-bata, apostar nas brigas dos mais fortes. Em casa, o tio adivinhava-lhe o futuro:
- Este, da maneira que vive misturado com a criação há-de casar com uma vaca.
E todos se riam, sem quererem saber da sua alma pequenina, dos seus sonhos maltratados. Por isso, olhou sem pena para o campo que ia deixar. Calculou o dentro do seu saco: uma fisga, frutos do djambalau, um canivete enferrujado. Tão pouco não pode deixar saudade. Partiu na direcção do rio. Sentia que não fugia: estava apenas a comeaçr o seu caminho. Quando chegou ao rio, atravessou a fronteira da água. Na outra margem parou à espera nem sabia de quê.
Ao fim da tarde a avó Carolina esperava Raul porta de casa. Quando chegou ela disparou a aflição:
- Essas horas e o Azarias ainda não chegou com os bois.
- O quê? Esse matandro vai apanhar muito bem, quando chegar.
- Não é que aconteceu uma coisa, Raul? Tenho medo, esses bandidos...
- Aconteceu brincadeiras dele, mais nada.
Sentaram na esteira e jantaram. Falaram das coisas do lobolo, preparação do casamento. De repente, alguém bateu porta. Raul levantou-se interrogando os olhos da avó Carolina. Abriu a porta: eram os soldados, três.
- Boa noite, precisam alguma coisa?
- Boa noite. Vimos comunicar o acontecimento: rebentou uma mina esta tarde. Foi um boi que pisou. Agora, esse boi pertencia daqui.
Outro soldado acrescentou:
- Queremos saber onde está o pastor dele.
- O pastor estamos à espera – respondeu Raul. E vociferou: - Malditos bandos!
- Quando chegar queremos falar com ele, saber como foi sucedido. E bom ninguém sair na parte da montanha. Os bandidos andaram espalhar minas nesse lado.
Despediram. Raul ficou, rodando à volta das suas perguntas. Esse sacana do Azarias onde foi? E os outros bois andariam espalhados por aí?
- Avó: eu não posso ficar assim. Tenho que ir ver onde está esse malandro. Deve ser talvez deixou a manada fugentar-se. E preciso juntar os bois enquanto é cedo.
- Não podes, Raul. Olha os soldados o que disseram. É perigoso.
Mas ele desouviu e meteu-se pela noite. Mato tem subúrbio? Tem: onde o Azarias conduzia os animais. Raul, rasgando-se nas micaias, aceitou a ciência do miúdo. Ninguém competia com ele na sabedoria da terra. Calculou que o pequeno pastor escolhera refugiar-se no vale.
Chegou ao rio e subiu as grandes pedras. A voz superior, ordenou:
- Azarias, volta. Azarias!
Só o rio respondia, desenterrando a sua voz corredeira. Nada em toda volta. Mas ele adivinhava a presena oculta do sobrinho.
- Apareça lá, não tenhas medo. Não vou-te bater, juro.
Jurava mentiras. Não ia bater: ia matar-lhe de porrada, quando acabasse de juntar os bois. No enquanto escolheu sentar, estátua de escuro. Os olhos, habituados à penumbra desembarcaram na outra margem. De repente, escutou passos no mato. Ficou alerta.
- Azarias?
Não era. Chegou-lhe a voz de Carolina.
- Sou eu. Raul
Maldita velha, que vinha ali fazer? Trapalhar só. Ainda pisava na mina, rebentava-se e, pior, estoirava com ele também.
- Volta em casa, avó!
- O Azarias vai negar de ouvir quando chamares. A mim, há-de ouvir.
E aplicou sua confiança, chamando o pastor. Por trás das sombras, uma silhueta deu aparecimento.
- Es tu, Azarias. Volta comigo, vamos para casa.
- Não quero, vou fugir.
O Raul foi descendo, gatinhoso, pronto para saltar e agarrar as goelas do sobrinho.
- Vais fugir para onde, meu filho?
- Não tenho onde, avó.
- Esse gajo vai voltar nem que eu lhe chamboqueie até partir-se dos bocados - precipitou-se a voz rasteira de Raul.
- Cala-te, Raul. Na tua vida nem sabes da miséria. - E voltando-se para o pastor: - Anda meu filho, só vens comigo. Não tens culpa do boi que morreu. Anda ajudar o teu tio juntar os animais.
- Não preciso. Os bois estão aqui, perto comigo.
Raul ergueu-se, desconfiado. O coraao batucava-lhe o peito.
- Como ? Os bois estão aí?
- Sim, estão.
Enroscou-se o silêncio. O tio não estava certo da verdade do Azarias.
- Sobrinho: fizeste mesmo? Juntaste os bois?
A avó sorria pensando no fim das brigas daqueles os dois. Prometeu um prémio e pediu ao miúdo que escolhesse.
- O teu tio está muito satisfeito. Escolhe. Há-de respeitar o teu pedido.
Raul achou melhor concordar com tudo, naquele momento. Depois, emendaria as ilusões do rapaz e voltariam as obrigações do serviço das pastagens.
- Fala lá o seu pedido.
- Tio: próximo ano posso ir na escola?
Já adivinhava. Nem pensar. Autorizar a escola era ficar sem guia para os bois. Mas o momento pedia fingimento e ele falou de costas para o pensamento:
- Vais, vais.
- É verdade, tio?
- Quantas bocas tenho, afinal?
- Posso continuar ajudar nos bois. A escola só frequentamos da parte de tarde.
- Está certo. Mas tudo isso falamos depois. Anda lá daqui.
O pequeno pastor saiu da sombra e correu o areal onde o rio dava passagem. De súbito, deflagrou um clarão, parecia o meio-dia da noite. O pequeno pastor engoliu aquele todo vermelho. era o grito do fogo estourando. Nas migalhas da noite viu descer o ndlati, a ave do relâmpago.
Quis gritar:
- Vens pousar quem, ndlati?
Mas nada não falou. Não era o rio que afundava suas palavras: era um fruto vazando de ouvidos, dores e cores. Em volta tudo fechava, mesmo o rio suicidava sua água, o mundo embrulhava o chão nos fumos brancos.
- Vens pousar a avó, coitada, tão boa? Ou preferes no tio, afinal das contas, arrependido e prometente como o pai verdadeiro que morreu-me?
E antes que a ave do fogo se decidisse Azarias correu e abraçou-a na viagem da sua chama.








***Nasceu na Beira, a segunda maior cidade de Moçambique, em 1955, trabalhou como biólogo, e jornalista e iniciou-se na literatura com livros de poesias e crônicas. Entretanto seus trabalhos de maior destaque hoje são os livros de contos e romances. Possui extensa obra publicada e é ganhador de vários prêmios nacionais e internacionai, é considerado o escritor moçambicano mais lido dentro e fora do país

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

dias de silêncio

fonte: Yahoo!


Eu queria escrever algo bonito sobre o Haiti, vejo as notícias, as pessoas, os mortos, os mortos-vivos, fome e destruição. Mas, eu não consigo. Talvez, o melhor mesmo, diante tamanha perplexidade, seja o silêncio. Remédio que não cura ou alivia, mas eu não consigo falar, escrever, frio na espinha, perplexo e paralisado tentando conter a dor no peito, não acho que tenho o direito de falar algo bonito sobre isso, algo que conforte, e simplesmente não consigo, prefiro o silêncio da dor que os outros vivem e que nos fazem pensar ou até chorar.