sábado, 5 de dezembro de 2009

Sobre a fraternidade, vamos de mãos dadas

Dias atrás eu estava por esperar o ônibus perto de minha casa. Era um tempo nublado e ameno, estava de pé em ao lado do ponto enquanto apareceu ao meu lado um vizinho. Sr. João, de uns oitenta e poucos anos, de olhar firme com um leve aspecto de cansaço onde o tempo e a experiências se mostram.
Já moro há dois anos neste bairro, tempo suficiente para ganhar um pouco de confiança do Sr. João, homem desconfiado e tido, por alguns até como reliento, mas num é não, é um bom homem.
Logo quando chegou Sr. João me perguntou se eu realmente estudava história, disse de que sim e ele começou a me falar sobre o que pensava sobre as comemorações de vinte anos da queda do muro de Berlim. E percebi uma certa paixão, em sua narrativa, dissertando sobre o exército vermelho que derrubou as forças de Hitler e que os soviéticos foram os primeiros a chegar em Berlim e também pelo governo de Fidel, a revolução cubana e Che Guevara. Notei que conversava com um homem que tinha a mente ainda bem viva e, não só isso, ainda possuia um senso crítico interessante.
A conversa foi fluindo, eu ouvindo, adoro ouvir as pessoas que tem o que dizer, principalmente os mais velhos que vivenciaram coisas que eu nem imagino, o ônibus chegou. Entramos, e sentamos em bancos ao lado do outro e perguntei a ele sobre o que ele achava sobre a experiência da ditadura militar brasileira. Ele me disse que muitas pessoas morreram e que foi uma coisa muito ruim mesmo. Mas, antes de ir embora e descer na praça Tubal Vilela Sr. João me disse: Mas, nós vivemos uma ditadura! A Ditadura burguesa! No Brasil há milhões de pessoas que não possuem o que poder comer! Levantou-se e desceu na praça pra resolver os seus assuntos particulares.
Fiquei espantado com a afirmação do meu mais novo amigo socialista. Fiquei pensando sobre a abertura política no Brasil, o processo de anistia, as lutas dos movimentos socialistas e dos reformitas.
A constituição de 1989 garatira a igualdade perante a lei de todos os cidadãos brasileiros, o direito destes ao voto, à moradia, saúde, educação e dignidade. É impossível, hoje, pensar nisso e não vir a cabeça os Sarneys ou Arrudas, os Sergios Naias e os Macedos. Homens que, no mínimo, mostram-se que não são como os outros perante a lei, como se eles fossem e fizessem a própria lei.
Mas, nessa profusão de coisas que me vinham à cabeça, as falas e a paixão de Sr. João não me deixavam em paz. Fiquei pensando como a igualdade é, realmente, fácil de ser criado em um governo de exceção, tantos quilos de ração pra cada um, cada um exerce a sua função na sociedade e se conteta com isso. Magistral e até genial é o livro 1984 de Geroge Orwel que nos mostra como a igual-dade não é díficil de se criar em um governo que toma pela força as rédeas de uma sociedade. Mas, seria esta igualdade gerada através da violência, por um governo que precisa ser unificado para não perder sua força onde tudo aquilo que é diferente pode ser potencialmente perigoso para a unidade política, capaz de lidar com a heterogeneidade, as diferenças e a liberdade de praticas culturais diversidicadas. Até hoje, as histórias mostaram que não.
Tudo bem, vamos aos exemplos: Fidel não aceitou em seus governos opositores, Mao-tsé-Tung liderou uma sangrenta e horrível revolução cultural onde morreram milhares de pessoas que pensavam e praticavam coisas que não poderiam ser toleradas pelo governo, Stálin mandou matar todos os seus opositores e muitos outros soviéticos, entre outros sangrentos e trágicos episódios.
Não podemos, assim, pensar que apenas governos de cunho socialista não conseguem lidar com a liberdade, é o governo que é tomado pela força derrotando assim o processo democrático. Não precisamos viajar muito no espaço e no tempo para visualizarmos isso, basta que recordemos golpe de 64, ou mesmo do Estado Novo de Vargas onde, em ambos, a repressão caiu perante a sociedade e aniquilou a liberdade de expressão das práticas e das idéias.
Ao cotrário, do que geralmente se pensa não foram mortos e torturados durante o golpe militar no Brasil apenas os revolucionários que se colocaram contra a ditadura brasileira sequestraram embaixadores e pegaram em armas, mas também jornalistas, estudantes, cineastas, artistas em geral, e estas pessoas simplesmente tentavam falar e mostrar que não tinham liberdade de ir, de pensar e de fazer.
Ok. Anistia, abertura, eleições diretas, DEMOCRACIA. Temos agora liberdade de expressão, salvo alguns jornalistas que escrevem sobre o Sarney, podemos veicular a idéia e a prática que queremos por variados meios de comunicação.Podemos jogar capoeira livremente ou montar um grupo revolucionário de socialistas que quer o poder.
Mas, e a igualdade. A igualdade nunca tivemos ou exercemos mesmo, né? Penso se a democracia impede a igualdade? Ou será que a igualdade é impossível em uma sociedade, como a nossa, onde cada individuo por meio de sua experiência constroi valores e luta por interesses próprios ou comuns a um grupo ou outro, como quase sempre agiu e age o homem em sociedade?
Não sei responder, são questões intrigantes.
Mas, para finalizar isto que já ficou enorme e massante. Pensei na fraterniade.
Ora, a democracia será sempre a dituradura da maioria, ou daqueles que sabem usar as estratégias de poder para usar a maioria, e por isso também, a igualdade é incabível.
Resta, então, já que a liberdade já é garantida, com exceções claro, pensarmos a fraternidade. Este é, por excelência, um conceito que pode se encaixar perfeitamente no processo democrático. Basta pensarmos no Sr. Obama que representa não apenas a comunidade negra americana no poder, mas todas as lutas por este grupo travadas desde o início do século XX, ás vezes até antes disso. E se lembrarmos do Sr. Luther King que pregava realmente a fraternidade ao revés da segregação, podemos, assim, considerar que a fraternidade seja a maior lição que nós devemos aprender e praticar nesta nossa sociedade desigual.
Afinal, a tolerância com o alter, o outro, o diferente de mim ou de você, podem nos ajudar a convivermos e coexistirmos pacificamente. Lutando, apenas no campo das idéias e nas brechas do poder. Sejamos, então, sem nenhum cunho religioso ou espirital, mas humano e político, fraternos.
Já isso, nos ensinava Drumond, em um poema carregado de metalinguistica, mas com cárater totalmente filosófico ele nos convidou a não nos afastarmos muito, a irmos de mãos dadas.

Mãos Dadas - Carlos Drumond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente

Um abraço a todos e até mais, Gabriel Oliveira

3 comentários:

salatiel disse...

Grandes reflexões Pedro, me fez lembrar dessa passagem desse poeta filosofo, como mencionastes:

" Ó solidão do boi no campo,
Ó milhões sofrendo sem praga!
Se há noite ou sol, é indiferente,
A escuridão rompe com o dia."

O Boi - C.D.A

Boi?
quem, nós?
talvez

Abraço irmão

Maria Carolina disse...

Adorei seu texto Gabriel... Eu concordo com você em muita coisa. A crise do socialismo: está mais do que provado que só deu certo no papel. A crise do capitalismo tbm, e pq não... Que instituiu a didatura da burguesia e exclui todos os dias milhares de pessoas. Eu sou da seguinte opinião: o problema não está nos modelos econômicos, nas instituições... O problema está no ser humano, que não enxerga si mesmo no próximo, que não é tolerante com os outros da mesma maneira que cobra que sejem com ele. Pelo menos ainda existe gente de coração aberto, idéias na cabeça, que quer sair por aí de mãos dadas com Drummond... :)

Gabriel Oliveira disse...

É carol, ainda bem que existe!